segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Reação ao fantástico ato falho: agora, a Globo deu um tiro no outro pé

por Christina Fontenelle

16 de novembro de 2005

Resumo: Fica aqui uma sugestão à Record: passar a revista de entretenimento do domingo para o mesmo horário do Fantástico.

© 2005 MidiaSemMascara.org

Uma coisa ficou clara: a editoria do Fantástico, da TV Globo, sentiu-se diretamente atingida pelas críticas recebidas após a exibição do programa do dia 6 de novembro, quando pretendeu, mais uma vez desqualificar e, por que não dizer, ofender os militares. Isso ficou evidente no programa seguinte (de 13/11) quando veiculou um vídeo que mostrava atos de barbárie cometidos por jovens militares contra outros jovens militares, a pretexto da prática conhecida como trote.

Trotes muitas vezes acabam se transformando em casos de polícia, não só nos meios militares como em acadêmicos, levando esta prática a ser até mesmo proibida em vários estabelecimentos. Existem casos famosos a respeito de mortes ocorridas durante os rituais de recepção dos "calouros" ou ainda das humilhações a que são submetidos.

Em 1980, um estudante de jornalismo morreu em decorrência de socos na cabeça, quando veteranos insistiam em cortar seu cabelo. Um outro estudante, de Goiânia, teve uma parada cardíaca ao fugir do trote. Edison Teng Hsueh foi encontrado morto, na piscina da Associação Atlética da Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo, vítima de afogamento mecânico (o que significa que, mesmo não sabendo nadar, tenha sido jogado várias vezes na piscina, até que não resistisse mais).

Nas instituições militares não é diferente, nem no Brasil nem no resto do mundo. Existem muitos relatos de trotes. E m 2004, por exemplo, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), considerado o melhor do País na formação de engenheiros aeronáuticos, houve denúncias de que os calouros estavam sendo obrigados a mergulhar de madrugada numa piscina de água gelada, ficar noites sem dormir e enfrentar brincadeiras violentas e humilhantes.

Tanto no meio militar como no civil o trote é uma tradição que vem perdendo força e sendo condenada em sua prática abusiva, pelos vários setores da sociedade, por se tratar do que muitos consideram um ranço medieval que contraria os direitos humanos e os do cidadão, numa total falta de sintonia com os princípios éticos e legais que devam fazer parte das sociedades modernas e com pretensões de civilidade.

Reação desproporcional, vingança covarde e despreparo editorial são as qualificações que merecem ser dadas à veiculação da matéria sobre o trote militar. Não que esse tipo de atrocidade, como nenhuma outra, deva ser omitida, quando se tratar de denúncia que vise a alertar as autoridades e a sociedade para que práticas como estas deixem de ocorrer. Mas, nesse caso, a intenção foi outra. E todo mundo, novamente, percebeu. Foi um tiro no outro pé.

Porém, ao tentar calar a boca dos que reagiram ao último Fantástico e, mais uma vez, humilhar os militares em praça pública, o programa carro chefe das noites dominicais da Globo forneceu o que, na linguagem jornalística chamamos de gancho, para alavancar a veiculação de alguns temas que os militares e os entendidos no assunto vêm tentando trazer à discussão e ao conhecimento público.

O primeiro deles refere-se à qualidade das pessoas que os inomináveis baixos salários e a necessidade de contingente humano têm obrigado as Forças Armadas a aceitar em seus quadros. Embora a matéria do Fantástico não tenha citado a participação de oficiais superiores, guardadas as devidas proporções, os baixos salários já trazem sérias conseqüências a este contingente também. As gravíssimas conseqüências que poderão advir deste problema, total e propositadamente ignorado pelos subseqüentes governos dos últimos 30 anos, poderão revelar surpresas bastante desagradáveis, e porque não dizer trágicas, num futuro bem mais próximo do que muitos suspeitem.

Segundo, a traição. Para quem conhece o peso de sua relevância no meio militar, por causa do tamanho do estrago que pode fazer numa missão, é um crime gravíssimo que enquadra não só o traidor, mas também aquele que o tenha estimulado, seja por compensação financeira, omissão ou por se aproveitar das vantagens obtidas com a traição. Sendo assim, a matéria presta um desserviço ao país por estimular e dar notoriedade ao produto de um ato de traição.

O despropósito da matéria fica caracterizado pela ausência de denunciantes. Isto é, ninguém foi mencionado como tendo levado o material à reportagem do Fantástico, mesmo que pedindo anonimato, com o propósito de fazer uma denúncia que reclamasse por justiça ou pretendesse providências. Simplesmente começa dizendo que o Fantástico “teve acesso às imagens de tortura praticadas em quartel do Exército” e termina com divulgação de nota do Comando do Exército. Demonstrou a matéria a que veio: provocação e revanche.

Só tem uma diferença, que naturalmente não terá a mesma vultosa veiculação: os responsáveis realmente serão punidos – muito diferentemente do que acontece com jornalistas criminosamente irresponsáveis e com a maioria dos políticos do país e que, diga-se de passagem, recebem salários bem melhores.

Enquanto isso, a Bandeirantes veiculava uma entrevista exclusiva com o Deputado Federal e Ex-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, no programa Canal Livre, fazendo com que muitos jornalistas sérios e honestos continuem a ter orgulho da profissão que exercem. Que fique, também, uma sugestão à Record: passar a revista de entretenimento do domingo para o mesmo horário do Fantástico. A população que não tem TV a cabo agradeceria esta nova opção mais saudável.

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